terça-feira, 15 de junho de 2010

Cinthia e seus amores




Podia-se ao longe ouvir o som do seu amor incondicional, ao longe se ouvia aquele que nas mãos dela ganhava vida, e mesmo de longe podiam escutá-la soprando aquele que sem ela é só mais um instrumento, mas nos lábios dela não, nos delicados lábios de Cinthia ele virava um ser reprodutor, reproduzia o som mais belo que um trompete poderia produzir. Som esse que ganha vida, que ganha notas a cada movimento dos finos e belos dedos nos pistos.

O calor do Sol não mais esquentava essa cidade, pelo menos hoje não mais. O céu anuviou e o Sol aos poucos repousava no leito do mar. Não era uma noite boa que chegava, pelo menos não para Cinthia, ela que aos poucos tem odiado tanto esse frio cortante que deixava cada pedacinho do metálico trompete gélido para as suas mãos quentes.
Ele que tem sido de tamanha importância em sua vida, ele que em determinados momentos parecia ser o único a entender a sua felicidade e em outros o único a dar apoio ao seu sofrimento, ele que independente do dia sempre estava lá e trazia a exata certeza de que sempre estará pronto para curar ou comemorar junto a ela. Não poderia ele virar algo sofrível, não, não ele, não o seu companheiro incurável, não o seu amor incondicional.
Mas à vontade lhe foi maior que o incomodo do metal frio em suas mãos e boca. E essa vontade incontida fez o pescador que voltava triste e de mãos vazias, após um longo dia de azar, ver o quanto lhe era bom voltar a por os pés em terra firme e voltar a escutar um novo som que não fosse o das ondas, que em seu pequeno barco batiam, fez a estressada e ansiosa mulher querer que aquele sinal vermelho, que impedia o seu carro a prosseguir, ficasse parado por mais tempo, nem que fosse mais um minuto, um minuto, que diferença faz um minuto, um minuto em que o casal de senhores parou para dar atenção à bela música, que pretensão a dos senhores, não era uma caridade feita, era uma caridade obtida, pararam para usufruir desse belo momento, nessa bela cidade que inspira artisticamente cada indivíduo que aqui reside.

Mas chega por essa noite, Cinthia ainda não havia conseguido a inspiração para a matéria da sua coluna semanal no principal jornal da cidade, muito menos inspiração para a reportagem da revista mensal. Nunca havia imaginado que esse dia chegaria, mas o jornalismo enfim já lhe dava dor de cabeça, já lhe causava imensa preocupação. Decidiu-se então dar uma volta pela cidade, jantar fora, sabe-se lá o que ela optou fazer, mas fato era que em casa essa inspiração não viria.
Ela precisava ver gente, precisava analisar um pouco a noite, impossível não achar inspiração nessa cidade, logo no Rio de Janeiro.
E Cinthia a noite tomou e a noite tomou Cinthia.
Um chocolate quente, Gal costa de fundo e até que a noite de quarta-feira lhe saia aos poucos melhor que a encomenda. Diria que ela ali sentada pode ver o menino correndo, pode ver o tempo como diria Roberto, mas nada disso, apesar de tanto observar nada lhe trazia inspiração, só o que ela não percebia era o quanto estava sendo observada.
Mas somente observar não deixaria Pedro feliz, Pedro aproximou-se, Pedro falou, escutou e escutou mais um pouco, Pedro amou.
Até hoje Pedro sabe que a melhor atitude da vida dele foi tomada naquela noite.
Até hoje Cinthia sabe que a melhor reportagem que escreveu tem como tema o amor nas noites da cidade maravilhosa.
Dizem que muitos dos que leram a sua coluna do jornal ainda hoje preferem sair de casa a ficar esperando milagres, preferem viver a deixar a vida passar, muitos dos que leram a coluna semanal volta e meia, meia e volta admiram o esplendor do crepúsculo ao som de um certo trompete que hoje toca muito mais feliz, e felizmente não mas é o único amor incondicional.

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